O Falecido Mattia Pascal, livro para o Desafio Literário 2013. O tema de fevereiro foi “livros que nos façam rir”.
Assim que vi os livros do Clássico Abril Coleções, fiquei com vontade de ter todos na minha prateleira. Livros de capa dura, encadernados com tecido, com folha amarelinha e uma descrição no final tanto da obra quanto do autor. Precisava ter cada um deles. Infelizmente não consegui ainda concluir a minha coleção, mas tenho alguns e é sobre um deles que irei falar agora.
O Falecido Mattia Pascal de Luigi Pirandello foi lançado nessa coleção no 17º volume. Consiste em um romance escrito em 1904 que nos leva a passear um pouco pela vida e pelos conflitos de Mattia Pascal – narrador da história.
Antes de mais nada, gostaria de explicar a escolha desse livro. Queria escolher algo que eu já tivesse na minha estante, mas não estava conseguindo achar nenhum livro que se encaixasse nessa categoria de livros que nos fizessem rir. Meu marido indicou esse livro e, de imediato, acatei a sua indicação. Tenho que lembrar aqui que eu e ele temos gostos diferentes e concepções diferentes quanto ao que de fato é engraçado. Conforme ele, eu não gosto de humor. O que não é bem uma verdade. Mas vamos ao livro!
O livro é narrado por Mattia Pascal o qual conta como morreu duas vezes e agora espera a sua terceira e definitiva morte. Ele começa contando como o pai perdeu todo o dinheiro e como com o tempo o senhor Malagna roubou o resto de dinheiro que a família dele possuía. Num belo dia, um amigo de Mattia, Pomino, comenta que está apaixonado por Romilda, uma bela moça da cidade. Então, Mattia se dispõe a falar sobre o amigo a ela. Só que o tiro sai pela culatra e Mattia acaba se casando com Romilda. Com o tempo, o dinheiro fica cada vez mais escasso e Mattia, que já morava com sua sogra e esposa, é obrigado a levar a sua mãe para morar com eles. Foi obrigado a conseguir emprego e devido a sua inabilidade para o trabalho e a sua fama relacionadas a proezas juvenis e a vadiagens, uma vez que ele vinha de uma família aristocrata, o impossibilitaram de arranjar um emprego. Mais tarde se encontra com Pomino e o mesmo diz que Mattia poderia trabalhar na biblioteca, pois a mesma estava jogada as traças.
Mattia tem uma filha que acaba morrendo ainda pequena no mesmo período no qual a sua mãe também morre. Essa situação inflama nele a necessidade de fugir dos problemas financeiros e pessoais. Portanto, Mattia pega o dinheiro que o seu irmão Beto manda para o enterro da mãe e sai da cidade, perambula por um tempo e acaba chegando a Monte Carlo, nos cassinos, onde ganha uma boa quantidade de dinheiro. Resolve então voltar para casa. E não é sem espanto que pega o jornal do dia anunciando que Mattia Pascal tinha se suicidado. Em um primeiro momento ele não sabe o que fazer, não entende muito bem a situação. Mas depois surge a ideia de que agora ele estaria realmente livre daquelas coisas desagradáveis que o prendiam a sua cidade. Ele agora poderia ser “ele mesmo”, sem máscaras.
“Claro! Ali estava a minha libertação, a liberdade de uma nova vida!”
Nesse momento da história surge um novo individuo, Adriano Meis. Já que Mattia Pascal morreu, se faz necessário crescer um novo personagem. E, portanto, surge esse simpático rapaz que vive viajando por ai, natural de Turim, perdeu os pais muito cedo, usa cabelos compridos, não tem barba. No entanto, apesar da felicidade que o consome por estar livre para ser o que quiser ser, Adriano Meis começa a se sentir sozinho e fora do mundo. Apesar de vivo, morto!
“Assistindo à vida dos outros e observando em detalhes, enxergava suas infinitas ligações e, ao mesmo tempo, via os meus muitos fios rompidos.”
Então deseja comprar um cachorrinho para lhe fazer companhia e descobre que até para comprar o cachorrinho ele precisaria estar vivo, inserido nas burocracias sociais. Ele não consegue comprar o cachorrinho.
“Enterrei o chapéu até os olhos e, debaixo da chuvinha fina que já começava a cair, afastei-me considerando pela primeira vez que a minha tão ilimitada liberdade era boa, mas na verdade um pouco tirana, pois não me permitia comprar um simples cachorrinho.”
Resolve se estabelecer, se fixar, escolhe Roma. Ao chegar lá, se hospeda na casa de uma família, se apaixona, é roubado, se angustia, e daí surge a sua segunda morte. Ele não agüenta mais não fazer parte do meio, estar isolado, estar morto, mesmo vivo. E morre novamente, forja a morte de Adriano Meis e decide voltar a sua cidade para revelar a todo mundo que Mattia Pascal está vivo. A primeira pessoa que ele procura é o seu irmão Roberto o qual fala pra ele que ele é louco, louco [matto matto] em decorrência das peripécias organizadas nos últimos 2 anos – tempo que ele passa morto/vivo. Quando volta a sua cidade encontra Romilda casada com Pomino e com uma criança de colo, a viúva muito satisfeita com o casamento, Pomino tem dinheiro! E acha bastante estranho as pessoas não o reconhecerem. O primeiro que o reconhece é dom Eligio, pessoa que fica cuidando da biblioteca após a sua morte e que o ajuda a escrever a sua “estranha história”. No final acaba fora das leis, fora dos fatos singulares, sem mulher e sem saber quem é. Visitando de vez em quando sua lápide no cemitério de Miragno:
“VITIMAS DE ACONTECIMENTOS ADVERSOS,
MATTIA PASCAL,
BIBLIOTECÁRIO,
CORAÇÃO GENEROSO, ALMA ABERTA
AQUI VOLUNTARIAMENTE
REPOUSA
A PIEDADE DOS CONCIDADÃOS
DEPOSITOU ESTA LÁPIDE”
Trata-se de um texto envolvente que nos faz rir em alguns momentos, mas também nos faz pensar na nossa individualidade, em quem nós somos enquanto cidadãos, inseridos no sistema. A descrição do personagem, logo no começo do livro, é muito engraçada. Ele diz “Devia ser por causa do meu rosto tranqüilo e zangado e dos grandes óculos redondos que me obrigavam a usar para corrigir um dos meus olhos que, não sei por quê, tendia a olhar por conta própria para onde queria.” Olho que em determinado momento do livro ele “concerta”. Em outro momento ele comenta, “Se o homem tivesse a possibilidade de escolher um nariz apropriado para o seu rosto ou se nós, ao vermos um pobre homem oprimido por um nariz grande demais para o seu rosto pequeno, pudéssemos dizer: ‘Esse nariz fica bem em mim, fico com ele’; ai talvez eu tivesse trocado de bom grado o meu, como também os olhos e muitas outras partes da minha pessoa.” Essa passagem tem um pouco de referência ao próprio Pirandello, que convenhamos não era conhecido pelo seu minúsculo nariz.
A viúva Pescatore é um personagem que põe a vida de Mattia um inferno. Ai depois da sua primeira morte ele pensa e se eu voltasse, batesse na porta da minha sogra e dissesse:
“- Com licença? Ainda moram aqui as senhoras Romilda Pescatore, viúva Pascal, e Marianna Dondi, viúva Pescatore?
– Sim, senhor. Mas o senhor quem é?
– Eu sou o falecido marido da senhora Pascal, o pobre cavalheiro morto afogado no ano passado. O fato é que estou chegando às pressas do outro mundo para passar as festas em família com a autorização dos meus superiores. Mas vou embora logo!
Revendo-me assim de supetão, a viúva Pescatore morreria de susto? Que nada! Ela? Pois sim! Faria com que eu morresse de novo dois dias depois.”
De uma maneira geral, o livro é bastante sensível, traz discussões importantes quanto a Ser um ser social, participação social e o melhor de tudo nos fazendo sorrir e desopilar um pouco da nossa própria realidade. Merece cinco estrelinhas!!
“Eu era ousado e não levava nada muito a sério. Quem sabe por isso as mulheres me amavam, apesar do meu olho meio desorientado e do meu corpo atarracado.”
Dados Técnicos:
Título: O Falecido Mattia Pascal
Editora: Abril S.A.
Tradução: Rômulo Antonio Giovelli e Francisco Degani
Ano: 2010
Páginas: 314
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